terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vazio incumbado


Eu me arrebentei, assim, porque o nó era fraco. Frouxo. Mal dado. Eu afundei, em segundos, porque no meu casco havia um buraco milimétrico por onde o mar entrou, aos poucos. Inteiro. Eu caí com o primeiro vento porque não havia tijolos. Eu era construção mal feita. Erguida na pressa. Madeira com pregos mal batidos. Fachada. Eu derreti ao sol porque era de plástico. Sumi no sopro porque era pó. Eu me quebrei na primeira queda porque, por dentro, não havia mais nada. Eu me sentia forte, sem saber que já era oco.

Nunca se sabe


Ele pode estar olhando tuas fotos neste exato momento. Por que não? Passou-se muito tempo, detalhes se perderam. E daí? Pode ser que ele faça as mesmas coisas que você faz escondida, sem deixar rastro nem pistas. Talvez, ele passa a mão na barba mal feita e sinta saudade do quanto você gostava disso. Ou percorra trajetos que eram teus, na tentativa de não deixar que você se disperse das lembranças. As boas. Por escolha ou fatalidade, pouco importa, ele pode pensar em você. Todos os dias. E, ainda assim, preferir o silêncio. Ele pode reler teus bilhetes, procurar o teu cheiro em outros cheiros. Ele pode ouvir as tuas músicas, procurar a tua voz em outras vozes. Quem nos faz falta, acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta. Não há escape. Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria. Você não sabe. Ele pode ser o cara com quem passará aquele tão sonhado verão em Paris. Talvez, ele volte. Ou não.


Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Phd Neutro


Descreva aí uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastéis, calçados rentes ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha. Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha.

Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas.

Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.

Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa moral. Pitchulinha é coisa de retardada. Quem gosta de diminutivos, definha.

Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância.

Ph neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.

Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As inhas não moram mais aqui. Foram pro espaço, sozinhas.

(M. Medeiros)

Me diga


Me diga como continuar.

Tenho andado sobre os pedaços do que um dia foi meu ego, tenho sido egoísta com o meu egoísmo, tenho quebrado meus conceitos.

Mas me diga como continuar se nada parece suficiente;

Me diga como agir quando tudo não passa de um tanto faz.

Pensar demais não tem resolvido nada, agir não tem feito às coisas melhores e demonstrar não é o bastante quando já se fez todas as provas.

Seguir não é o certo quando não se sabe deixar a estrada para trás.

Me diga como continuar se por dentro funciona como uma turbina. Mistura, embaralha, separa.

As palavras se perdem no meio de possibilidades, cogitações, razões.

Memórias criadas confundem minha realidade, meus sonhos e minha vida parecem espaços difíceis de se entrar.

Mudanças sem coerências, atitudes que não se ligam, fatos sem conexão.

Agir com clemência!

Não basta.Não me basta certas coisas.

Quero memórias, verdades, sentimentos.

Quero que ações pequenas não recebam castigos exagerados.

Mas me diga como continuar se tudo foi feito,mas nada é pertinente, nada é apropriado.

Me diga como continuar se o cansaço me tomar e se todas as energias se esgotarem.

Me diga como vai ser se eu me perder. Só me diga!

E eu que tinha tanta convicção, hoje se quer sei como dar o próximo passo.

Ervas: boas e más


"De fato, no planeta do pequeno príncipe havia, como em todos os outros planetas, ervas boas e más. Consequentemente, sementes boas, de ervas boas; sementes más, de ervas más. Mas as sementes são invisíveis. Elas dormem nas entranhas da tera até que uma cisme de despertar. Então ela se espreguiça e lança timidamente para o sol um inofensivo galhinho. Se é de roseira ou rabanete, podemos deixar que cresça à vontade. Mas quando percebemos que se trata de uma planta ruim, é precisoque a arranquemos imediatamente. Ora, havia sementes terríveis no planeta do pequeno príncipe: as sementes de baobá...O solo do planeta estava infestado. E quando não se descobre que aquela plantinha é um baobá, nunca mais a gente consegue se livrar dele, pois suas raízes penetram o planeta todo, atravancando-o. E se o planeta é pequeno e os baobás numerosos, o planeta acaba rachando."


(O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry)

Nunca é tarde


"Nunca é tarde demais, ou, no meu caso, cedo demais para ser quem você quer ser. Não há limite de tempo. Você pode mudar ou ficar na mesma, não há regras para isso. Nós podemos fazer o melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. E eu espero que você veja coisas que assustem você. Eu espero que você sinta coisas que você nunca sentiu antes. Eu espero que você encontre pessoas com um ponto de vista diferente do seu. Eu espero que você viva uma vida que você se orgulhe. E se você achar que você não, eu espero que você tenha a força para recomeçar."

(The curious case of Benjamin Button)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

The Time


Eu passei os últimos tempos achando que ser equilibrada era conseguir matar o capetinha que instiga a cair nas tentações mais desejadas e temidas. Mas, oras bolas, o equilíbrio num é o caminho do meio? Então, deixemos o capetinha e andemos na linha tênue entre o bem e o mal, o certo e o errado. E pensando justamente assim, decidi viver um caso de amor e ódio pelo tempo. Esse mesmo, o tempo. Cruel e redentor. O antagonismo perfeito. Fala sério, mania chata do tempo de passar rápido quando tudo parece perfeito e depois de arrastar os segundos quando as coisas saem de órbita. Eu acho péssimo quando alguém diz que só o tempo resolve ou conserta determinada situação. Fica pior quando é preciso esperar o relógio passar as horas, o calendário passar os dias, para enfim, conseguirmos aquilo que almejávamos. Mas, justamente por isso, o senhor tempo é sábio. Como um pai que impõe limites, ele também não faz as nossas vontades, por mais que choremos, gritemos, por maior que seja a birra, ele é irredutível nos seus propósitos de enfiar lições vida afora. Ele aceita a oscilação de amor e ódio. De raiva e agradecimento, porque o tempo sabe, sabe que equilíbrio, no fundo é isso. Ele entende que a dor traz o crescimento, que o reconhecimento só vem da batalha e que o valor se dá na espera. E aí, um belo dia, a gente deixa de ser desesperado pelo amanhã e como recompensa o tempo dá aquilo que precisávamos. Às vezes, era exatamente o que queríamos, em outros momentos, era o que nunca imaginaríamos. Porém, tanto tempo deu ao tempo a sabedoria de saber o que é melhor pra vida de cada um. Nessa hora, a gente entende que não existe amor sem ódio. E que o equilíbrio só funciona se tiver o bem e o mal. Ahhh, o tempo...

“Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas as coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?”

- Caio Fernando Abreu in: Ovo Apunhalado -


Paro. Inspiro. Expiro. Ainda de olhos fechados percebo que não há mais nenhuma parte dolorida em mim, a dor se foi, deixando em seu lugar uma sensação de alívio, de um vazio feliz. Só no dia seguinte percebi o quanto fui boba de ter encharcado o travesseiro de lágrimas por um garoto estupidamente lindo que de uma hora para outra, evaporou da minha vida, dos meus sonhos, e por mais que eu gritasse, que tentasse alcançá-lo, não me ouvia. Minhas técnicas para esquecê-lo rapidamente consistiam em fazer de tudo para não vê-lo, mais de início isso foi impossível, parece que ele fazia questão de passar em frente à varanda da minha casa, e deixar à mostra aquele sorriso com dentes simetricamente perfeitos, como se nada houvesse acontecido. Mas pra mim já era, já foi, tô em outra.

Ano novo, nós dois de novo. Por pouco tempo...


O ano é novo, a paixão é velha e o coração continua o mesmo João Bobo de sempre quando o assunto é você. Vi você longe, mesmo cara-a-cara comigo, ali quando pela milésima vez meu coração se rendeu ao nocaute e eu prometia mentalmente a todos os rostos desconhecidos daquela praça que haviam acabado as chances que eu te dava mesmo sem você pedir ou querer.
Fácil não foi, afinal você e fácil são antônimos desde sempre, mas ainda assim saí de lá sem derramar sequer uma lágrima, enquanto o teu olhar de desprezo e amargura destinados a mim, comoviam a todos que sabiam do nosso caso. Permaneci ali, até o último segundo, afinal estava ali pra ver um show e não fazia sentido ir embora antes disso, ainda que eu quisesse correr pra casa e não precisar sentir você incomodado com minha presença.
Meus dois amigos íntimos que ali estavam, me abraçavam como se quisessem me lembrar que eu sairia viva daquela situação. E eu saí. Resolvi que com o ano que terminava, deixaria ir embora também as lembranças e a saudade que eu ainda alimentava por você. Os dias iam passando, você passava também. Até que num dia que talvez fosse o seu dia de sorte, você resolveu voltar atrás, com teu jeito de pedir desculpas sem pedir e meu jeito de aceitar, deixando claro pra você que sim, eu sou mais tua que a normalidade é capaz de descrever.
Propus uma visita, qualquer desculpa como "um beijo de boas festas". Antes de vir me dar o prazer de ter prazer comigo, você quis saber se não estaríamos mais uma vez batendo na tecla viciada das histórias sem futuro e prestes a começar tudo de novo, afirmei que não, pra me fazer lembrar também. Então você se rendeu, afinal somos os dois livres e afim de algo que conquistamos intimidade suficiente para fazer sem precisar de maiores enrolações.
Pronto, ano novo agora, talvez o coração arranje algo novo para querer também. Engano. Surge então o primeiro compromisso social em que temos que nos encontrar. Cheguei minutos antes de você e logo te vejo entrar no bar com seu passo firme e usando uma blusa da cor que sabia que eu acho que fica bem em você, me perguntei se havia se lembrado disso ao se vestir, como eu me lembrei de vestir preto como você gostava.
Devidamente sentado ao meu lado, conversamos usando da intimidade que pouca gente sabia que ainda tínhamos, você sem seus óculos ia me pedindo pra ler pra você aonde não enxergava e eu te emprestando meu pulso pra você sentir o perfume que tanto gostava.
Você me tratando como no começo, no bar ao lado tocava Los Hermanos, não resisti e fui pra praça que tinha em frente , te deixando um sinal pra me seguir. Um cara que estava me olhando no bar, saiu logo atrás de mim e foi chegando perto, mal sabia ele que as chances deu olhar pra ele ou pra qualquer outro cara que estivesse ai havia sido extintas quando você pensou em sair de casa pra ir pra aquele bar.
Do outro lado da rua, você vinha ao meu encontro e compartilhavamos um sorriso de crianças fazendo arte mais uma vez. Depois de 5 minutos de conversa, beijei você e ficamos ali abraçados contando segredos e matando saudades. Depois de algum tempo, nossa falta foi notada e seus amigos nos acharam naquela banco de outra praça da nossa história, tivemos que voltar, mas agora, ainda só pelo fim daquela noite, eu estava no posto que mais me agradava ocupar : eu era de novo a sua garota, mesmo sabendo que o dia seguinte chegaria levando embora meu doce cargo. Nunca quis tanto que uma noite demorasse a acabar.